Dica de Leitura - Manejo de feridas em equinosAutor: Eduardo Nascente - Professor e medico veterinário
O artigo “BEVA primary care clinical guidelines: Wound management in the horse” reúne recomendações práticas para o manejo de feridas em equinos no âmbito do atendimento primário ,constituindo um marco importante na tentativa de sistematizar condutas em uma área onde a evidência científica ainda é limitada. O documento foi elaborado por um grupo de especialistas que, a partir da formulação de perguntas estruturadas no modelo PICO, realizou ampla revisão da literatura veterinária e humana, aplicando a metodologia GRADE para avaliar a qualidade das evidências e orientar as recomendações. Essa abordagem confere às diretrizes maior rigor científico, ainda que muitas das recomendações estejam apoiadas em estudos provenientes da medicina humana, dada a escassez de pesquisas específicas em cavalos.
As recomendações foram organizadas em três grandes eixos: lavagem e tratamentos tópicos, desbridamento e fechamento da ferida, e terapias destinadas a favorecer a cicatrização. No que se refere à lavagem, destaca-se a possibilidade do uso de água potável da torneira como alternativa à solução salina estéril, recurso de maior custo e menor disponibilidade em campo, sem prejuízo significativo na qualidade da limpeza. Também se recomenda a utilização de povidona-iodo em feridas contaminadas, embora não haja consenso quanto às concentrações ideais das soluções antissépticas. Por outro lado, o emprego da sulfadiazina de prata tópica em feridas agudas não é indicado, uma vez que sua aplicação pode retardar etapas do processo de cicatrização. Ainda nesse eixo, os autores ressaltam a importância da pressão adequada de irrigação, em torno de 13 psi, suficiente para remover detritos e contaminantes sem provocar lesões adicionais aos tecidos.
No tocante ao desbridamento e fechamento, as diretrizes mencionam o uso de métodos mecânicos, como almofadas abrasivas, bem como alternativas inovadoras, a exemplo da hidrocirurgia, considerada eficiente no tratamento de feridas agudas contaminadas. O desbridamento biológico com larvas também é apontado como opção em casos específicos, especialmente em feridas extensas com necrose ou em locais de difícil acesso. Embora os princípios do fechamento cirúrgico sejam amplamente reconhecidos, ainda faltam estudos comparativos que avaliem com robustez a eficácia de suturas em relação a grampos, ou que estabeleçam critérios ideais para seleção da técnica de fechamento.
No eixo das terapias adjuvantes, o uso do mel aparece como alternativa promissora, uma vez que pode contribuir para reduzir a duração de fases críticas da cicatrização. Apesar disso, o artigo enfatiza que não existem evidências conclusivas para respaldar intervenções como desbridamento químico, ultrassom terapêutico, laserterapia ou o uso de diferentes curativos impregnados com agentes antimicrobianos. A carência de estudos controlados e a baixa qualidade da evidência disponível são limitações recorrentes, que restringem a aplicação universal das recomendações.
De forma geral, as diretrizes da BEVA oferecem ao clínico equino um conjunto de orientações práticas que podem ser adaptadas ao contexto de campo, onde a tomada de decisão deve equilibrar viabilidade técnica, disponibilidade de insumos e bem-estar animal. O documento não se propõe a esgotar o tema, mas a estabelecer um alicerce científico para condutas mais padronizadas, ao mesmo tempo em que reforça a necessidade de novas pesquisas direcionadas à realidade da medicina veterinária. Assim, o trabalho contribui para aprimorar a qualidade do atendimento primário, reduzira variabilidade de práticas entre profissionais e consolidar um padrão mínimo de cuidado no manejo de feridas em cavalos.